terça-feira, 23 de junho de 2009

O Gaudério da Rua da Praia.

Maria era a mais experiente. Nasceu em Torres. Alta. Esbelta. Cabelos pretos e lisos. Olhos castanhos claros. Nascida a pelo menos quatro décadas. Quem nã o conhecia esse detalhe formal, lhe dava menos. Aliás, é ou não a idade biológica um detalhe formal? Seu olhar cativante e longínquo acarinhava os passantes. Sã o milhares. Seu sorriso marcante de tentes alvos e bem cuidados como os das modelos de comercial de dentifrício eram um detalhe a mais para aquele corpo bem moldado. Ficava ali. Próximo a banca de jornal. A esquerda de quem sobe a "Borges". Defronte a farmácia.

Lourdes também era bela. Aqui em terras gaúchas seria chamada de bugra. Nascida em Encruzilhada do Sul. Meia idade. Lá pelos trinta. Pele clara. Cabelos pretos encaracolados. Observando-a com mais atenção relembrávamos um pouco as nossas lições de história e geografia. Do Brasil e prioritariamente do Rio Grande do Sul. Índio, negro e branco estavam ali representados naquele corpo de mulher. De uma bela mulher. A mistura de etnias aprimoravam-lhe. Destacavam-lhe principalmente os seios e as ancas. Assemelhava-se a Maria pelo olhar na mesma intensidade e pela ansiedade. O olhar era triste. Triste como o de quem busca. Seus olhos castanhos escuros estavam super envolvidos numa busca. Uma busca incessante e atemporal.

Ingrid era a mais jovem. Pela fisionomia e a estrutura que a sustentava, não havia completado três décadas. "Alemã" de origem, nascida em Lagoa dos Três Cantos, naturalidade essa que renitia-se em afirmar: poucas pessoas haviam ouvido falar em sua cidade natal. Achava a cidade sem muita graça. Sem muitos atrativos. Isso a encabulava. Um pouco. Um metro e oitenta mais ou menos. Cabelos louros naturais. Olhos azuis ou verdes de acordo de como a luz incidia. Magra, mas não tanto. Busto, nádegas, coxas e pernas que satisfazem os mais exigentes conceitos de beleza e saúde. Um monumento de mulher.

"Viviam" ali as três. Após as cinco; seis horas da tarde era normal vê-las. Maria como sempre, próxima a banca de jornal; Lourdes quase na porta do banco e Ingrid ali defronte ao bazar. Todos. Todos mesmo. Passantes. Ficantes. Esperantes, Trabalhadores que por ofícios tinham que permanecer ali conheciam as três mulheres. As três lindas mulheres. Nã o faziam nenhuma questão de não serem percebidas. Todos os dias da semana estavam ali. Não que eu viesse ao local para conferir. Julgo pela obviedade. Julgo pelos dias que passava naquela esquina. Se estavam nos dias que passava... certamente estariam ali nos dias em que meu intinerário era outro.


A Rua da Praia, ( a rua mais famosa dos gaúchos, ou dos porto alegrenses), ou melhor: a Rua dos Andradas com a Borges de Medeiros ficavam melhor adornadas com a presença daquelas belezuras.

Aquela quarta-feira seria um dia comum. Igual como outro qualquer se não fosse por um fato: as três mulheres estavam como sempre marcando presença. Só que nesse dia estavam pilchadas. Vestidas com todo o rigor que exige o tradicionalismo gaúcho: vestido de prenda, sapatilhas, xale. Não esqueceram nem o detalhe da rosa vermelha no cabelo.

Minha cabeça viajava. Nã o só a minha. Seriam amigas? Parentes? Para parentes ficava um pouco difícil . É certo que conhecemos famílias com membros tipicamente diversificados. Na situação apresentada era quase impossível para a biologia. Duas morenas: uma européia e outra ameríndia e uma louraça européia.

Fiquei sabendo pelos amigos e companheiros que as quartas; especialmente as quartas-feiras, elas compareciam tradicionalmente pilchadas. Ficamos de olho. Eu e meus "amigos". Todos fazendo crescer dentro de si o bichinho da curiosidade. Queríamos, mais cedo ou mais tarde descobrir o que faziam. O que buscavam aquele trio de mulheres.


Quarta feira, como outra comum. Lá estávamos: meus amigos, as mulheres devidamente pilchadas, e eu. Nós cá e elas lá. Nos lugares de sempre. Falávamos de quase tudo sem desgrudar por muito tempo os olhos das chinocas. Chamou-nos a atençã o a chegada de um homem e o alvoroço entre elas. Percebia-se um jovem senhor dumas quatro décadas de vida. Estatura mediana. Talvez assim... um metro e setenta. Xiru. Cabelos longos enrolado formando um rabinho e preso a nuca. Barba por fazer. O que ampliava a surpresa de todos é que o jovem senhor, vestia-se tradicionalmente à caráter: camisa creme, bombacha azul, bota e chapéu de barbicacho. Sem esquecer o lenço preso ao pescoço, a adaga e a chaira. A bonomia do gajo estava estampada no rosto. O desus, apesar da idade demonstrada, tinha um quê de jovialidade. Era um godero de quatro costados. Cavaleiro andante.

Ao vê-lo indumentado sentíamos falta do cavalo selado, que costuma ser chamado de "pingo", de um pelego com uma lã de primeira qualidade e do persuelo, é lógico. Assim estaria completo. Nunca se soube a sua origem. Em conversa à boca pequena ficamos sabendo que era lá da fronteira: Santana do Livramento ou Rivera; Era dali.

As mulheres se arvoraram. O mundinho ali da "esquina democrática" tomou ciência. Cobrança pela demora eram ouvidas longe. O gaudério tentava manter a calma. Com a habilidade de um peleador ou de um ilusionista mantinha tudo sob controle.

Mulheres abandonadas, viemos a saber: Maria "de Torres" havia conhecido aquele homem na sua cidade e conseqüentemente havia sido "deixada" em Encruzilhada do Sul; onde o distinto conheceu Lourdes. Esta, foi "esquecida" em Lagoa de Três Cantos onde a admiração pela adolescente Ingrid fez o mancebo taquicardear fria e falsamente por algum tempo. Ingrid ficou aguardando até pouco tempo numa "duas peças" na Praia do Niño em Capão da Canoa.

A choldabodra estava formada. A platéia nã o interveio. Entre eles e os outros havia uma sebe imaginária: um chircal. De repente a calmaria voltou a reinar naquela esquina movimentada. Foi a primeira vez que vi um homem abraçar três mulheres. De uma só vez e sem muito esforço. Ao passar ao lado do grupo onde eu me encontrava, após uma piscadela, vaticinou: - "É preciso saber lidar com as tchangas, tchê; senão elas te esganam.

Geraldo Potiguar do Nascimento/ 2003

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