segunda-feira, 3 de agosto de 2009

A História Preconceituosa da Àfrica


Crítica ao livro:
"A África Está em Nós"
História e Cultura Afro-Brasileira
Primeiro Volume
Autor: Roberto Benjamim
(Roberto Emerson Câmara Benjamim)
Editora Grafset Ltda.

Infelizmente acabei de ler agora no mês de agosto/2006 o livro "A África Está em Nós" de Roberto Benjamim, publicado pela editora Grafset em 2004. Digo infelizmente porque gostaria de ter lido muito antes e é uma pena que somente agora chegou as minhas mãos. Esse livro até onde tenho conhecimento, por falta de outro, e não sei se o Ministério da Educação através de seus departamentos já adotou algum livro didático que sirva de baliza para execução na prática as determinações da Lei Federal, está sendo "adotado" por alguns professores, principalmente de História, cheios de boas intenções, para "orientar" os seus alunos com relação a História da África.

Achei oportuno o lançamento do livro. Acredito ter sido um dos primeiros livros, se não o primeiro de que tomo conhecimento de abordar o assunto com essa diversidade, logo após a publicação da Lei Federal 10.639/03. Fico surpreso com a bibliografia utilizada mas desagrada-me o resultado. Observo que a linguagem do professor Benjamim é eivada de preconceitos. Como militante do Movimento Negro e dos Direitos Humanos estamos acostumados; não estou querendo justificar que é algo bom e que tranqüilamente faz parte do nosso dia-à-dia já que com certeza também nos acostumamos a nos reservarmos e preservarmos dos acontecimentos que têm o intuito de nos maltratar. Isso que escrevo como costume poderia ser colocado como uma espécie de exército de reserva a semelhança de nossa defesa interna através dos anticorpos ou/e até a nossa defesa externa dos animais peçonhentos.

Já na página 20 do referido livro o autor, no "ponto 1.3 - Denominações afro-brasileiras", no item quarto, pela ordem, denominado EWE, decorre o texto escrevendo: EWE - 1. Povo da África Ocidental (que hoje habita o Benin, o Togo e Gana), de onde procederam escravos para o Brasil...". Parece-me que o autor, que também é advogado, com a sua linguagem "coloquial" de escritor, branco, conservador, racista e sem nenhum compromisso com a mudança; indigno de ser considerado parceiro já que temos inúmeros intelectuais brancos e de outras etnias que são verdadeiramente parceiros, não busca novos horizontes no universo da educação brasileira pregado pela "regulamentação da Lei Federal 10.639 de 09 de janeiro de 2003", através das "Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Etnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana" aprovado pelo Conselho Nacional de Educação em 10 de Março de 2004.

Na sua linguagem racista, preconceituosa e discriminatória, o autor usa a palavra escravo como adjetivo pátrio fazendo-se presumir que exista um país denominado "escravolândia" ou algo parecido. Benjamim segue a linguagem da maioria da imprensa e/ou de educadores diretos e indiretos liderada pelo Sistema Globo de Comunicação (vide discussão em torno de outro livro, o Não Somos Racistas de Ali Kamel, diretor executivo da Rede Globo), que planeja e põe no ar no seu jornal de maior audiência manchete como a que ouvimos a poucos dias passados: "Dia de festa para descendentes de escravos".

No livro inteiro o Senhor Benjamim nada faz para mudar essa linguagem racista, discriminatória e preconceituosa criada, difundida e conservada pelos seus antepassados, citando várias vezes que determinados países ou regiões da África era de onde vinham os "escravos". Linguagem essa que cada vez mais ajudam a perpetuar a imagem do negro subserviente e fraco e que pelo seu passado de descendente de "escravos" obviamente jamais poderá galgar altos postos neste país.

É necessário deixar nítido para o Sr. Benjamim e outros racistas de plantão que, se existe um povo descendente de "escravos!" existe também um povo descendente de escravisadores. Um povo que tratava outro povo como coisa, animal; que assassinava ao "bel prazer" aqueles seres que não correspondiam as suas (deles) expectativas; que estupravam as negras para encobrir fracassos sexuais de seus casamentos forjados assim como as doenças e/ou a frigidez de suas esposas. Este senhor acha que é isso que a escola brasileira deve continuar ensinando? É com base nessa educação, eurocêntrica, discriminatória, preconceituosa e racista que devemos abordar a história de nossos antepassados? Senhor Benjamim e demais seguidores, nós negros e negras não somos descendentes de escravos! Somos descendentes de africanos que por um determinado período fomos escravizados. A escravidão não nasceu com os negros e negras africanos (as) como o senhor com certeza é sabedor já que tem muito mais informações do que eu. Uma pessoa do quilate desse senhor quando intencionalmente escreve desta forma em um livro que se pretendia didático tem o objetivo claro (como os senhores adoram falar), de manter cada vez mais os negros e negras distantes de uma auto estima impedindo-os de uma libertação da consciência desse povo.

Nesse livro, ainda com relação a religiosidade do povo afro-brasileiro o autor não age como um cientista mas sim como uma pessoa mais uma vez preconceituosa e a serviço da igreja católica, como nos tempos da inquisição maldita. Distorce informações sobre as religiões de matriz africana, desinforma e colabora com o atraso para que os dados verídicos sobre as religiões trazidas de além mar não sejam difundidos de uma forma mais ampla.Na abordagem internacional o autor perdeu a oportunidade de informar aos leitores/alunos do seu livro como se deu a divisão do continente africano. Há na página 91 do supra citado um pequeno gráfico que "orienta" aos alunos/leitores e como bom descendente de colonizadores o autor foge dos fatos sem deixar nítidas as condições políticas e históricas em que e como que aconteceu a invasão do "continente negro".

Não é por falta de informações pois na relação bibliográfica colocada no final do livro, que presumo que o autor tenha lido, há inúmeros livros verdadeiramente documentais que colaboram para que se tenha uma gama de informações capazes de reforçar um relato científico de como aconteceu. Na abordagem nacional há desprezo da parte do autor por todas as batalhas de transformações e mudanças neste país onde negros e negras estiveram presentes junto com todas as etnias e em grande quantidade. Só para ilustrar esta afirmativa, neste livro não há nenhuma informação a respeito da participação nas luta do povo negro do sul do país nas revoluções e guerras acontecidas principalmente nos pampas gaúchos, a partir do Rio Grande do Sul, estados e países vizinhos com vastos relatos em livros e documentos publicados/divulgados no Brasil e fora dele.

O autor, Roberto Emerson Câmara Benjamim apesar de ter perdido a grande oportunidade de se passar como um parceiros nas lutas pela emancipação (de fato) do povo negro e seus descendentes, age como proxeneta da cultura negra por alguns caraminguás pois tenta a todo custo preservar as "conquistas" de seu povo que este sim, levam e levarão sempre a pecha de terem escravizado um povo que como está escrito também em seu livro (não foi possível nesse ponto mascarar a verdade), muitos deles, reis e rainhas; príncipes e princesas. Se nós somos descendentes de "escravos" como afirmam este senhor e os meios de comunicação do nosso país, os senhores são descendentes dos escravisadores, estupradores de negros e negras oriundas da África. Exterminadores de um povo. Provocadores do genocídio do povo negro.

Os negros e negras nunca concordaram com a sua condição de escravos e hoje nós os afro-brasileiros não concordamos de maneira nenhuma com a escravização de consciências impostas por pessoas que, paradas no tempo, acreditam ainda serem os nossos tutores dominando a mídia e os organismos de educação formal e/ou informal impondo seus ditames de forma "moderna" e oportunista através do compadrio, contubérnio, insensamento daqueles que ocupam o poder. Estamos e vamos continuar atentos.

GERALDO POTIGUAR DO NASCIMENTO é militante do movimento há mais de 30 anos. Em 1978 junto com outros militantes, organizou a partir de São Paulo o Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial – o MNU; em 1991 ajudou a fundar "oficialmente" a União de Negros pela Liberdade – UNEGRO; em 1992 organizou a “posse” de “hip hop” Identidade Negra na região da Vila Nova Cachoeirinha – Zona Norte de São Paulo. Há 5 anos Potiguar viaja por várias cidades do nosso país com a palestra/debate: “A Participação do Povo Negro na História do Brasil” e elabora o livro: “Tudo que Você gostaria de Perguntar sobre a Raça Negra e não tinha tido oportunidade”. Atua atualmente no AFRHUM - Instituto Pedagógico para o Crescimento, Fortalecimento e Valorização da Cultura, do Viver Afro-Brasileiro e os Direitos Humanos
Contatos: E mail's: geponas@gmail.com
kimbira@yahoo.com.br
AFRHUM - afrhum@gmail.com

2 comentários:

  1. Caro colega!

    Cabe solicitar reparações nas proximas edições, pois um grande passo foi dado com esta publicação, visto que nossas bibliotecas escolares estão a zero nesta tematica e a ainda nos deparamos com profissionais lotados nestes espaços que veem este livro como um mero material de recorte e colagem nas atividades de sala. O que me abalou profundamente quando deparei-me com esta situação junto a biblioteca de minha escola.
    Mas penso que O diferencial no trato com o livro"África está em nós" deverá partir dos profissionais capacitados que analisarão os pontos positivos e negativos da obra , como se faz com qualquer obra, pois as visões de mundo sempre são diferentes em qualquer tempo e espaço.

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  2. Parabéns, Geraldo, pois pela sua biografia, você está a anos luz em relação a Lei 10.639/03 (atual Lei 11.645/08). estou tentando iniciar o trabalho acerca deste tema e estou construindo um blog, para municiar os meus alunos, já que não existe muitos materiais didáticos disponíveis acerca da africanidade.

    Acesse: http://aafricasomosnos.blogspot.com/

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